terça-feira, 20 de setembro de 2005

"A internet é nossa"


Essa semana recebi de um amigo a notícia de que o Brasil ameaça criar uma espécie de internet paralela para combater a dependência tecnológica dos Estados Unidos.

Já pensou: como seria a internet brasileira?

Primeiro, o sujeito que quisesse ter um endereço de email teria que ir até uma agência da Caixa Econômica e esperar 4 horas na fila para pagar a TCEPF - Taxa de Cadastramento de Email Pessoa Física, de 12,76 UFIR's. Depois, com o protocolo em mãos, precisaria tirar 2 cópias autenticadas, deixar a via azul no INSS e carimbar a via laranja na Embratel - seção de novos emails (falar com Dona Vilma somente das 10h às 14h).

Se ele quisesse alugar um domínio para fazer um simples blog, precisaria de todo o procedimento acima (incluindo a taxa de aluguel de domínio de 56,81 UFIR's) e ainda uma Certidão Negativa de Débito do INSS, uma autorização da Prefeitura para "Averbação de Domínio Próprio em Rede IP Pública" e um registro na Receita Federal. Melhor seria um despachante tomar conta do processo já que teria que ser enviado à Brasilía para receber a assinatura do Ministro da Web. Os tramites para abertura de um novo site demorariam em torno de 3 meses (desde que não fosse em época de eleições).

Abrir um domínio não seria fácil, mas a maior dificuldade estaria em fechá-lo. Aí, a espera poderia levar até 7 anos, já que o cidadão teria que comprovar que não ultrapassou a marca de 250 hits por dia nem utilizou seu site para fins lucrativos. No caso de uma das duas hipóteses, seria cobrado o ISCSW - Imposto Sobre Comercialização de Sites Web. A princípio, o ISCSW em São Paulo seria de 22,5%, e na Bahia - graças ao incentivo fiscal de Antonio Carlos Magalhães - seria de apenas 12,4% para até 3.500 hits/dia, fazendo com que a maioria dos IP's do Brasil se localizassem no nordeste. De qualquer forma, se não quisesse esperar tanto tempo para fechar completamente o domínio, poderia dar uma gorjeta para o analista de suporte da Prefeitura que ele daria um jeitinho de agilizar as coisas.

Aliás, a internet brasileira não poderia usar um nome em inglês para definí-la pois isso iria contra o princípio de sua criação. O ideal seria usar um nome típico e que remetesse às origens nacionais como "Catimbolé-Uçu" (em Tupi - "Teia Grande"). A catimbolé-uçu teria de ter seu próprio protocolo, o TCP/PBC (Protocolo Brasileiro de Catimbolé-uçu) que seria compatível com o IP, mas cerca de quatro vezes mais lento.

Para fazer tamanha estrutura funcionar com eficácia, seria necessária a contratação de aproximadamente 32 mil funcionários através de concursos públicos fraudulentos. Teriam preferência os parentes de deputados e vereadores. Nesse total estão incluídos não apenas os técnicos, mas também as secretárias, motoristas, faxineiros, mecânicos de automóveis oficiais, sapateiros, costureiros, engraxates, etc. O piso salarial seria de R$ 2.564,87 e o teto seria de R$ 32.657,98 (para o Engraxate-Chefe). Ainda assim, frequentemente haveriam greves e aí, o serviço ficaria um pouco lento ("operação padrão"), atingindo cerca de 300 kbps em residências da periferia (muito abaixo dos 2.400 kps habituais).

Para facilitar a navegação seriam criados novos tipos de domínio:

.25m (para comércios da Rua 25 de Março)

.efigenia (para comércios da Rua Santa Efigênia)

.mensalão (para empresas de publicidade de campanha)

.fbm / .cv / .ada (para sites relacionados ao tráfico de drogas).

sexta-feira, 9 de setembro de 2005

A garantia

- Boa tarde. Esse é o setor de devoluções?

- Sim. Em que posso ajudar?

- Meu país tá quebrado. Queria tentar devolver ou pelo menos trocar por outro que funcione.

- Pois não. E qual país o senhor deseja devolver?

- Brasil.
- Só um momento, já vou verificar no sistema... Bahamas, Benim, ah sim, aqui está: Brasil. Sinto muito mas o prazo de garantia já expirou. Se não me engano esse país foi descoberto em 1500. A garantia venceu em 1822. Tinha que ter reclamado antes de proclamar independência.

- Mas como? O defeito é de fábrica. Já tava assim quando eu peguei. Tem que ter alguma maneira.

- É muito difícil, afinal já se passaram mais de 500 anos.

- Mas...

- O senhor ainda tem a etiqueta ou a nota fiscal?

- Não. Mas tem uma carta de Pero Vaz de Caminha. Deve estar lá em algum lugar. Acho que ele trabalhava aqui na época.

- Caminha... Ah sim! Era secretário do Sr. Cabral. Ótimo vendedor... foi pra área de marketing. Dizem que ele conseguia vender qualquer coisa.

- Olha, se não der pra devolver eu aceito troca por outro país.

- Tem alguma preferência?

- Pode ser Bélgica, Dinamarca... A Suíça é mais cara né?

- Humm, receio que só poderíamos trocar por outro país de terceiro mundo. Mas deixe ver com meu gerente.

(...)

- O gerente falou que dá pra trocar. Temos Angola, Moçambique, Irã e alguns países do leste europeu..

- Dá pra ficar com a República Tcheca?

- Depende? Qual o estado de conservação do seu país?

- Bem... tem muita coisa asfaltada, mas com muitos buracos. Às vezes caem algumas pontes. Mas ainda tem bastante área verde. Tivemos que destruir uma parte das florestas para fazer algumas benfeitorias. Ainda tem muitas praias novinhas em ótimo estado. Claro que sempre tem alguma coisinha pra fazer.. sabe como é né? crianças, torcidas organizadas, traficantes - sempre aprontando.

- Água, luz...?

- Água tem bastante. Tem alguns lugares em que ela ainda não chega, mas, pra vocês isso é fácinho de arrumar. Tem energia elétrica.. andou tendo uns apagões tempo atrás, mas parece que já resolveu.

- E tem bastante emprego?

- Bem... esse é um dos defeitos. Nunca tem pra todo mundo.

- Ah sim... E que outros defeitos está apresentando?

- Na verdade, desde o começo nunca funcionou direito. Os primeiros 200 anos, a gente quase nem usou, mas depois começou a aparecer um regime escravocrata aqui, um imperador mulherengo ali... Nos últimos cem anos, teve até ditadura, hiperinflação... Acabou ficando cheio de rachaduras e infiltrações.

- E no momento, continua apresentando problemas?

- A inflação baixou um pouco, mas agora tão aparecendo muitos casos de corrupção.

- Isso é normal nessa época do ano. Aparece mais em países em desenvolvimento.

- Não... você não está me entendendo. É muito. Não dá nem pra contar. Já tentei vários produtos contra corrupção - água sanitária, Veja, Época, impeachment... Mas nada funcionou. Continua aparecendo.

- É. Nesse caso, não poderei trocar pela República Tcheca. Mas acho que você vai gostar da República de Malauí. Tem uma vista ótima do Zimbábue...