quarta-feira, 27 de abril de 2005

A reunião


O chefe passa pela minha mesa, põe o dedo na testa como se lembrasse de algo:

- Precisamos falar com você.

Ai, ai. Balanço a cabeça concordando (fingindo que não fiquei aterrorizado). Faço um gesto como se fosse me levantar da cadeira em direção à sala da diretoria. Ah! A sala da diretoria! A única sala fechada do andar. Totalmente envidraçada. Sempre achei que isso é um recurso psicológico: impede que se ouçam os gritos de tortura, enquanto permite que vejam o suficiente para intimidar. O chefe completa:

- Só que não agora. Estou entrando em uma reunião. Daqui a pouco conversamos.

That's it. The game begins. Por que o ser humano sente esse mórbido prazer em deixar os outros na curiosidade? Preferem nos deixar na expectativa. A tática inquisitória funciona: mal o chefe vira as costas começo a roer as unhas (ou o que resta delas). Sinto litros de adrenalina (isso se mede em litros?) invadindo minha corrente sanquínea. Pessoalmente, sou adepto do "fala de uma vez". Isso de ficar marcando e remarcando reuniões pra falar sobre a sua vida acaba com o coração do sujeito. Acho que é por isso que ouvimos falar de tantos enfartos do miocárdio, crises de estresse, colapsos nervosos, queda de cabelo...

Na realidade, nem sei por que estou assustado... não tenho idéia do que vão falar. Ou tenho? Por algum motivo, meu corpo pressente perigo. Como o gato bobo do ditado famoso, também tenho medo de água fria. Pior: não consigo controlar meu cérebro que cisma em ficar imaginando coisas:

- Pode fechar a porta por favor? (Pra que fechar a porta? Já vi tudo. O pelotão de fuzilamento deve estar me esperando. A faxineira está a postos pra limpar o sangue que vai escorrer pelas vidraças. Por um momento tenho a impressão de ver uma corda pendurada no teto da sala de reuniões - não, não, é só um lustre).

Ele começa: - Bem ("bem" é um advérbio utilizado em situações nas quais não se sabe como iniciar a frase - geralmente mal sinal), estamos sendo obrigados pela diretoria a cortar alguns custos no departamento (em outras palavras: "você é um imbecil incompetente que não serve pra nós"). Você entende, não é? (claro que não). Estamos te transferindo para a Unidade de Santa Rizonha na Paraíba. Temos certeza de que lá você poderá ser mais útil (isto é: "você vai destruir aquela filial tosca assim como fez com a nossa"). Seu chefe será o Vicentão (ah! bom - é sempre motivador trabalhar com um psicopata em recuperação e...).

Seguro meu cérebro pelo rabo: "calma! não exagere. Você está imaginando coisas demais. É muito pessimista". Não sei se sou pessimista. Só acho que vai dar tudo errado. Aliás, assim me protejo: se tudo der certo estou no lucro, senão pelo menos minha previsão deu certo.

Mas os dois gomos do meu cérebro (o otimista e o pessimista) resolvem brigar entre si. Volto a imaginar coisas:

- Como você sabe, estamos cortando custos (meu cérebro ouviu tanto isso ultimamente que só se lembra dessa desculpa) e diminuindo o número de funcionários na empresa. Infelizmente você está sendo dispensado... blá, blá...

Dizem que quando um funcionário é demitido ele não escuta mais nada que o chefe diz desse ponto em diante. Portanto se o chefe quiser contar uma piada ou perguntar o resultado do jogo de ontem, tanto faz. É o que deve acontecer comigo. Tento achar um lado positivo: pensando bem, é melhor que trabalhar com o bisonho do Vicentão.

Ser demitido exige o cumprimento de algumas tradições. Por exemplo, tenho que me lembrar de ficar uns segundos paralisado, surpreso, como se não tivesse entendendo nada. Mesmo que esteja. Faz parte do ritual. Em seguida digo algo do tipo:

- Eu realmente não esperava isso agora (mentira nº 1). Mas tudo bem (mentira nº 2). Foi bom ter ficado esse tempo aqui com vocês (mentira nº 3).

Espere um pouco. Pode não ser nada disso! Tento segurar meu cérebro insano mais um pouco. "Não sei porque tanto pessimismo. Pense em outras hipóteses: um aumento, uma viagem a Europa com tudo pago com acompanhantes, um carro novo e abastecido... Tá bom. Menos, menos." O lado pessimista escuta uma voz:

- Como eu disse, precisamos conversar, mas surgiu uma outra reunião... Fica pra outro dia, ok? Não vou te segurar mais...

Como não vai me segurar mais? Agora que já estou amarrado a essa dúvida infernal? Como vou conseguir dormir essa noite? Sinto que meu coração está até batendo mais rápido... Ou é só impressão? Ambos os gomos do meu cérebro se unem para dizer o que pensam dessa situação: afinal, por que não dizem logo do que se trata? Quem eles pensam que eu sou? Olho para o meu chefe, reúno todas as minhas forças e digo:

- Não tem problema. Boa noite...

Acho que vou precisar de unhas postiças.

4 comentários:

Anônimo disse...

essa é muuuuuuito boa.... eu sou exatamente assim.... e aos poucos chego a uma conclusão: "e quem não é?!!!"..... hahaha
Muito boa... parabéns!

Beijinhos...

Anônimo disse...

Estevam, d+
Gostei especialmente sobre esse da história do Brasil.
Vc tem o dom!!!!
escreve +....mais umas engraçadas...
ChrZ@
Fui...

Anônimo disse...

Olá Estevam!
Sou amiga do Christian Zaguetti e ele me falou sobre suas crônicas! Não pude me furtar de tecer um comentário! Parabéns!! Você escreve muito bem! Como diz o Chris..você tem um humor inteligente!
Continue escrevendo!
Karol Garcia

Guilherme Medeiros disse...

Mais real que isso impossível 👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼
Muito bom, gostei demais.