Ele já tinha ouvido falar nessa história do barco. Dia desses até ia dar uma espiada na construção. Segundo ouvira, mais parecia uma enorme caixa; uma arca daquelas que as avós têm na beira da cama, daquelas de guardar coisas velhas, mas que consideramos valiosas demais pra deixar em qualquer canto. Pois era assim mesmo o "barcão". Quadrado, fechado em cima e com uma porta enorme na lateral. Nem parecia um barco e, pelo que diziam, se conseguisse boiar na água já fazia muito. Alguns que foram visitar a obra contavam que dentro tinha três andares e diversos estábulos.
O menino se lembrava de que uma vez a família do barco (já eram conhecidos como a "família do barco") fez uma visita à casa dele. Todos pareciam muito amigáveis. Se acomodaram na sala grande e conversaram por mais ou menos uma hora. De uma forma muito tranquila, explicaram porque contruir uma embarcação tão grande, já que eles estavam a centenas de milhas do oceano mais próximo. Falavam alguma coisa sobre o mundo estar muito ruim, cheio de violência e mencionaram uma tempestade. Eli ficou pensando se estavam falando do clima.
Aliás, pouco entendia do que diziam. Quando perguntava alguma coisa para os mais velhos, eles davam de ombros: "Não se preocupe. As coisas estão melhorando..."; lhe davam um doce de tâmaras (receita da bisavó de Eli - a princípio a receita usava figos, mas depois foi adaptada) e ele ficava tranquilo. Uma vez, perguntou para sua irmã mais velha o que ela achava da tal família do barco. Ela disse pra não perturbar - estava preparando as coisas pro seu casamento. Ela se casaria em duas semanas e finalmente arrumara alguém para ajudar a cuidar dos gêmeos.
Os pais também pareciam que não se importavam muito com a situação ruim, as notícias e muito menos com a "família do barco". Achavam até bom que as coisas estivessem assim, meio confusas, aí conseguiam ganhar um extra, escondendo debaixo das roupas algum dinheiro do Sr. Nabuco. "Todo mundo faz isso, ele nem vai perceber." - diziam - "Aliás, ele bem que merece - aquele safado!".
Mas naquele noite depois da visita da "família do barco", os pais de Eli ficaram pensativos: "Será que é aquele homem tem razão?". "Acho que não...bem, vai saber." - Os argumentos dele pelo menos eram bons.
Chegaram até a tocar no assunto no bate-papo com os vizinhos. Mas aí, acabaram tomando mais uma jarra de vinho, e depois mais uma - por fim acharam tudo aquilo muito rídiculo. Como alguém poderia acreditar numa bobagem dessas? Aliás, chegava a ser uma ofensa. E se um dos filhos deles acreditasse naquilo! Era melhor avisá-los pra evitar andar perto daquela família. Gente estranha...!
Passaram-se alguns meses e um bando de velhotas que vivia espionando a vida alheia viu que a porta do barco se tinha fechado. Alguém disse que viu um homem diferente, muito "grande", fechando a porta do barco por fora. E era sobre isso que conversavam os vizinhos de Eli.
Foi quando ele ouviu um estrondo, olhou pro céu, e viu uma nuvenzinha preta...
fim
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